Itabira: a disputa entre o coração e o capital


Fui a Itabira. Precisava ver com meus olhos o que os olhos do meu poeta preferido viam. Visitei lugares do passado e da infância de Carlos Drummond de Andrade. Mas o principal foi que entendi seu coração (de aço) despedaçado pela mineração.

Em Itabira fica bem nítido o poder do capitalismo exploratório quando está determinado a fazer algo. É com empáfia, petulância, que ele se apresenta ali, nas rochas cruas e escavadas, nas montanhas tristes e estranhas rodeando a cidade. São as minas e barragens que margeiam o perímetro urbano.

No centro histórico, a moldura de fundo dos casarios centenários são os taludes – aqueles declives retos, simétricos, sem graça e beleza, que só o homem pode fazer. De qualquer lugar que se olhe, a depredação mal disfarçada está ali, como uma lição do capital para nós.


Itabira foi a primeira vítima da mineração moderna, em escala industrial, em Minas. A primeira cidade a ser completamente descaracterizada e modificada pela atividade. Começou com a inglesa Itabira Iron Ore, em 1911. Depois, as maiores jazidas do País ficaram sob controle da estatal Cia. Vale do Rio Doce (CVRD), criada em 1942 para explorar de forma definitiva os tesouros daquela região.

A descoberta do minério mudou tudo. Itabira cresceu rápido com os trabalhadores que chegavam. O clima mudou, o vento espalhava o pó escuro e os sons de explosões e máquinas. Bairros se moveram, construções se perderam por causa das dinamites. Referências  sumiram, fazendas viraram buracos sem vida. O Pico do Cauê, maciço brilhante de ferro que dominava a paisagem itabirana, foi minerado, sem dó.

(em Belo Horizonte também temos um pico e uma serra que podem sumir. Eles são capazes de fazer isso, me diz Itabira enquanto ando pelas suas ruas)

"Itabira é apenas uma fotografia na parede, mas como dói" escreveu Drummond no poema "Confidência do Itabirano". Já velhinho, durante uma entrevista, ele explicou:

Esse negócio me causou um certo aborrecimento porque lá em Itabira achavam que isso era pouco caso com a cidade. Ao contrário, isso é o testemunho da sua presença pungente na minha vida, no meu ser. Então eu vou lá pra quê? Pra ver um passado meu que não existe, pra sofrer, pra me angustiar? Então eu acho que eu sou melhor itabirano aqui... de vez em quando eu preciso meter o pau na Companhia Vale do Rio Doce, eu reclamo, xingo mesmo... do que indo lá pra assistir às ruínas do meu tempo.

O poeta foi um grande crítico daquela exploração sem limites, num tempo em que defender o meio ambiente era raro na opinião pública. Afinal, progresso era explorar os recursos naturais com maior eficiência possível. Ele usou sua fama e suas colunas em importantes jornais para se contrapor a isso. Ocorre que Itabira e os governantes não deram ouvidos. 

Imagem de satélite de Itabira hoje

Nós mineiros (está no nome e origem) conhecemos bem o poder político e econômico das mineradoras. Desastres como o de Brumadinho e Mariana em nada as abalam. Nós perdemos vidas, terras, ar, rios, paisagens e histórias. Mas para elas tudo é simples dano colateral, já previsto nas planilhas de riscos e custos de seus executivos e investidores. No meio do caminho sempre tem o dinheiro, querido Drummond...


"O maior trem do mundo
Puxado por cinco locomotivas a óleo diesel
Engatadas geminadas desembestadas
Leva meu tempo, minha infância, minha vida
Triturada em 163 vagões de minério e destruição
O maior trem do mundo
Transporta a coisa mínima do mundo
Meu coração itabirano.

Lá vai o trem maior do mundo
Vai serpenteando, vai sumindo
E um dia, eu sei não voltará
Pois nem terra nem coração existem mais."

(Trecho do poema “O maior trem do mundo”, 1984)


P.S.: A mineração é até hoje responsável por 80% das receitas de Itabira (o segundo maior município de Minas a receber os royalties desse negócio). Mas o esgotamento das minas está previsto para 2030. O que restará para Itabira? Haverá recuperação possível? A cidade terá forças para se reinventar, reconstruir o que foi revirado e escavado? Torço por isso.

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