Um general e as mulheres (mães e vovós)
Foi difícil escrever... semana cheia de "pérolas", pra ser suave.
A culpa da violência agora é daqueles que precisam trabalhar e deixam os filhos com os outros, gerando assim "desajustados"... O complexo tema da violência urbana banalizado assim mesmo. Esse discurso sempre existiu, mas talvez nunca tenha sido proferido de forma tão preconceituosa e por um candidato a vice-presidente, o general Hamilton Mourão.
O que quero colocar aqui é: percebem como a questão gira em torno da família, especialmente das mulheres, seja a mãe que trabalha, seja a avó, tia ou vizinha que fica com a criança?
Como se as 30 milhões de mulheres chefes de lar no Brasil tivessem opção... Como se tivesse vaga em creche pública sobrando, escola em período integral, ou salários bons o bastante para apenas um responsável da casa precisar trabalhar! Ah é, e não pode receber bolsa família também porque é coisa de vagabundo. Uai, é pra trabalhar ou não é?
A família tradicionalzona que o general imagina não existe há séculos... Talvez no mundinho dele sim, mas não no mundão de verdade. O número de lares brasileiros chefiados por mulheres dobrou nos últimos 15 anos (são 30% do total); e 16% das famílias têm apenas a mulher como responsável (ambos dados do IBGE). Uma boa parte dessas últimas - famílias monoparentais chefiadas por mulheres - vivem com menos de um salário mínimo. E sem a assistência dos papais sumidos.
Voltando: muitas mulheres e homens trabalhadores se culpam por não conseguir criar os filhos direito nesse país insuficiente e desigual. Mas o fato é que o capitalismo e a urbanização acabaram com a unidade familiar que já existiu um dia. E isso não é de agora.
Na época da Revolução Industrial, as famílias tinham que deixar os bebês chupando um pano com uma espécie de melaço pra eles não chorarem e aguentarem a fome durante a jornada de trabalho dos pais... Ao serem trazidos para a América, as famílias africanas escravizadas eram separadas para sempre. Os filhos eram vendidos sem pai ou mãe. E os senhores nunca se preocuparam muito em legitimar os filhos que tinham com as escravas e empregadas. Família era só pra alguns... De lá até hoje, ter uma família ou priorizar a família nunca foi uma opção pra parte da sociedade. Mães e pais pobres deste País SEMPRE tiveram que trabalhar.
A falência da família não é uma opção ou uma questão moral. Não está ligada às liberdades conquistadas pelas mulheres e outros setores, é bem anterior a isso! A família do tipo "cristã" foi sendo destruída, aos poucos ou rapidamente, por um sistema que não está nem aí para as famílias pobres, mas gosta muito dizer como elas deveriam ser.
No capitalismo, um Estado que não tem políticas públicas para atender essa realidade gera isso o que vemos: barbárie, violência, crianças no tráfico, quase nenhuma proteção às mães e às famílias. Não, isso não é comunismo. Alguns países capitalistas mais civilizados já descobriram há anos que isso evita muito problema. Nós ainda não, e seguimos caindo em historinha pra boi dormir de quem não conhece nossa realidade, principalmente a das mulheres.
Não espero consciência de pessoas como esse general Mourão... Mas das mulheres espero alguma consciência sim. Talvez a maioria saiba, por experiência própria ou de outras, como é difícil criar filhos sozinha e ter que trabalhar para sustentá-los. Ou como é ter que largar um emprego por não ter com quem deixar o filho. Ou como é morar de favor porque não pode trabalhar. Ou não conseguir emprego porque o patrão não "curte" quem tem filho pequeno e engravida...
De lá pra cá muita coisa piorou. Principalmente as falas / falácias desse tal general ('de dez estrelas e que fica atrás da mesa com o c. na mão...' - não resisti)
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