Água: meu elemento



Vou contrariar a astrologia e dizer que meu elemento não é o ar. Sou de gêmeos mas meu elemento é água (contradições do zodíaco).

O negócio é que, como para as plantas e as crianças, a água me faz um bem... Sempre gostei de chuva e banho de chuva. Rio bem caudaloso, mar, lago. Barulho de água me acalma. Adoro cheiro de chuva na terra, mas no asfalto também serve. Sou uma das poucas pessoas adultas que fica muito tempo no mar furando onda e pegando jacarezinho com as crianças.

Ocorre que moro numa capital bem longe do mar, cujos rios estão enterrados sob o asfalto, poluídos e saem às vezes revoltados. A cidade que tem como cartão postal uma lagoa infectada e vez por outra cheia de aguapés. Uma selva de pedra com períodos cada vez mais secos devido ao desmatamento.

Daí que meu objetivo principal a médio prazo é me mudar um dia para o litoral, pois chove sempre e o mar não vai acabar, certo? No máximo vai subir para cima das casas com o derretimento das calotas polares, ou vai ser contaminado por uma carga enorme de petróleo, ou com minério vindo de alguma barragem por aí que com certeza vai se romper. Mas ele é tão poderoso que sempre vai estar lá, com seus marulhos. O som do mar é tão especial que, mesmo não sendo um ser vivo, que fala, pia, late, ou relincha, tem um verbo próprio: marulhar, que é a língua das águas.

Mesmo ficando meses e meses longe de águas naturais – a que não passa por canos – ainda sim as águas aparecem muito em meus sonhos. Estão em meu inconsciente. Sempre sonho com maremotos, rios turbulentos, piscinas, maremotos em piscinas, maremotos dentro de casa, dilúvios bíblicos. Uma vez sonhei que eu estava numa jangada e que um rio enorme alagava tudo. E várias pessoas que eu conhecia estavam cada uma em sua jangada, e parávamos para conversar, nos beijar e até transar. Conversas lindas e importantes que só o sonho nos dá. Também tive sonhos bastante angustiantes, pois fugir de uma onda igual a de “Impacto Profundo” não é fácil.

Uma antiga amiga minha, do Candomblé, me disse uma vez, quando contei um desses sonhos, que sonhar com água significava mudanças na vida. Era verdade. Depois disso, toda vez que volto a ter sonhos com água, paro tudo e começo a me voltar para mim, pro que preciso fazer nas mudanças que acontecem ou preciso fazer. Ah, ela também me disse que achava que meu orixá era Oxum, a divindade das águas doces, cujos filhos são maternais, emotivos, discretos e sensuais (não tanto quanto os de Iansã, orixá da minha amiga safadíssima).

Uma noite dessas de insônia e perdição em mim mesma, senti o cheiro de chuva no ar. Logo depois, às duas da manhã, começou a chover. Depois de um longo inverno e seca, fiquei feliz. Sai pro quintal, senti as gotas frias e puras no rosto e no corpo. Deixei a casa aberta a madrugada inteira, fiquei ouvindo a água lá fora, o cheiro, seus caminhos pelo telhado, calha, cadeiras, árvores. Foi minha noite mágica, noite de renovação. Entrei dentro de mim, conversei comigo, com meus medos, angústias e essa tristeza que tem me acompanhado permanentemente nos últimos meses. Cada gota de chuva era uma lágrima d´alma. Mas a água escoando também me mostrava inconscientemente que existem caminhos mil, possibilidades mil para essa vida tão mais curta que a das águas, que são infinitas.

Aos poucos, cada coisa em minha vida ficou passível de ser resolvida, inclusive dentro da minha mente. Que para resolver, eu só precisava disso, me abrir, deixar a água-vida entrar de novo, com seus turbilhões, redemoinhos, ressacas, marés. Deixá-la fazer seus caminhos, ajudá-la a preencher vazios e molhar essa pedra que se tornou meu coração e minha vida. As lições da pedra, escreveu João Cabral de Melo. No meu caso, as lições da água.

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