Despedida
Hoje voltei lá. Parecia que fiquei longe há mais tempo, mas foi só uma semana. Acontece que meu eu já não estava mais ali e podia olhar tudo como num passado distante.
Desci no mesmo ponto, passei em frente ao Ceará (o melhor pastel da região) e ao “frango frito”, restaurante duvidoso que fica aberto até altas horas e tem cômodos no segundo andar. Mais um quarteirão e comprei um cigarro, talvez o último, na banca do Rodolfo, patrimônio daquela esquina. Um dos irmãos gêmeos gritou “côoooco” mais uma vez.
Aquela esquina, aquela agência, foi parte importante do meu universo nos últimos cinco anos. Foi onde me reergui, onde construí um novo mundo depois da separação. Ali vivi tanto, e também me amparei. Meus colegas nem sabem o quanto me ajudaram. Eram meu porto, minha única segurança. Ali me separei, chorei, sorri, me perdi, fiz novos amigos, me apaixonei, terminei e amei de novo. Sofri tanto que uma senhorinha me disse que eu estava com "quebranto" e me deu uma receita de banho. De certa forma, ali me reergui mais um pouco. Tornei-me mais forte para fazer o que tive que fazer agora: começar do zero, de novo, como há 5 anos.
Nessa última visita, me pareceu que eu não tinha laços mais ali. E pode ser verdade. Todos se foram e era hora de partir mesmo. Mas não é verdade que eu não tenha levado nada dali. Criei carinhos, pequenas amizades e gentilezas, coleguismos, construí boas relações de trabalho numa instituição vazia de conteúdo. Errei também, julguei mal, pedi perdão a colegas e até a clientes, rsrs.
Sobretudo aprendi sobre perda. Perdi amigos e familiares queridos e jovens demais. Perdi um grande amor. E nessa preferência por atender idosos, também vi muitos indo embora: Sr. Raimundo Nonato que me chamava de “Dona Clotilde”; Maria de Lourdes, a freirinha com dentadura que só eu entendia o que falava; uma das irmãs velhinhas, tão parecidas que eu trocava o pagamento das duas quase sempre. O sr. Otacílio, advogado e jornalista das antigas, cuja mente vi se deteriorando semana a semana. O passar do tempo ficou mais nítido pra mim.
Deixando de lado essa melancolia que sempre me persegue, havia também velhinhos bem duráveis, como a Dona Ondina, noventa anos com cara de setenta, a matriarca negra, forte, incansável; o Sr. Vilmar da Minasul, nordestino com um filho tosco. E também o senhor fenomenal da Distribuidora Bonfá, vulgo “Papai Noel”, vulgo “Fidel Castro”, com suas enormes barbas brancas, magrinho, que vendia maracujás ali no conjunto São José. Tanta gente que acompanhei todos os dias, por semanas e meses incontáveis. Cada rosto que dá uma história.
Não era pra ser, mas esse texto ficou sendo pra eles. Uma homenagem talvez, um agradecimento.
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