Pessoas são loucas

Lidar com gente é muito foda. Trabalhadores de outras áreas sabem disso. Se o seu dia tiver começado mal por algum problema pessoal, pode saber que vai piorar mais no contato com outros seres humanos. Rola sangue no olho. Às vezes lágrimas. Logo que entrei no banco, uma  cliente me fez chorar – eu não estava devidamente uniformizada com cota de malha e armadura. Lembro que, quando comecei a atender público, fiquei muito impressionada com o tanto de gente "meio biruta" que existe entre a população. Depois acostumei, ou fiquei biruta também.

Mas também tem coisas legais, e por isso sobrevivo. Tem cliente que te consola, que esquece um “presente” em agradecimento ao sorriso que você deu. Um bombom, um doce. Tem o cliente que chega nervoso e de repente sai agradecido só porque você atendeu bem, deu bom dia, comentou algo gentil. Já outros, a maioria na verdade, entram e saem como se não tivessem sido atendimentos por ninguém.

Ainda vou fazer a estatística, mas os idosos são os que mais dizem “bom dia” ou “por favor”. Por causa do racismo arraigado, observo também que homens negros e mulheres negras, geralmente adultos ou velhos, são os mais humildes. Raramente questionam quando algo é negado, são muito educados e gentis. A geração mais nova é diferente, mais firme e orgulhosa, e acho isso bom.

Por outro lado, a arrogância do homem branco, adulto, de classe média é revoltante (e isso bem antes do fenômeno do bolsonarismo). Como trabalhadora, eu afirmo: se você é mulher, ou muito jovem, e falar “não” para um cara desses... pode se preparar. É escândalo e xingamento na certa, e nenhuma disposição em te ouvir até que você chame um gerente, em geral homem e mais maduro, para falar a mesma coisa e o idiota aceitar. É muito desgastante atender gente assim.

Além disso, comecei a conhecer e olhar mais de perto boys, motoboys, homens e mulheres, que precisam ir ao caixa porque estão trabalhando. Esses vão todo dia e a gente conhece, brinca, conhece os filhos, o time, a rotina, para pra conversar na rua. Tem muitas histórias boas, como a do “Cenourinha”, um motoboy que levava palitos de cenoura na mochila para substituir o cigarro. Conseguiu parar de fumar. Havia também o boy adolescente que os colegas chamavam de “24” (brincadeira homofóbica de velho). Mas era mesmo engraçado porque, no horário que ia ao banco, o rapaz acabava quase sempre pegando a senha C24. A gente ria muito junto com ele, e tenho a impressão de que às vezes ele devia esperar pra pegar justo aquela senha.

(texto escrito há alguns anos)

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