Versos enlouquecidos de uma jovem autora


Tudo que era caro à poesia
Parece sujo dessa tormenta
Tem o cheiro desse sangue
Latino e pobre e terceiromundista
E a poesia agora enlouquecida
Aperta os dentes e se vê obrigada
A dar notícia

(trecho de "Notícias", poema de Cecília Lobo)

Cecília Lobo é escritora, mãe, poeta, belorizontina, jovem. Tenho em mãos seu segundo livro de poemas: “Labiríntica”, recém lançado, escrito durante a pandemia e o confinamento. Nele, Cecília transborda tudo o que temos sentido nesse tempo: solidão, indignação, saudade, dor – e o eterno combate entre o “antes” e esse “agora” tão incerto. Pra mim, sua poesia soou muito como aquela voz feminina que resiste a prisões. Se, por motivos sanitários (ou muitos outros), o corpo não pode ser livre, que seja por meio da palavra e da arte.

Em seus versos curtos, há também uma acidez que me agrada. E um olhar que contém ao mesmo tempo amor e rebeldia. Faz sentido, pensando no pouco que conheço da autora. É que conheci Cecília nas lutas, há muitos anos, e nem sei se ela se lembra disso. Era o fantástico e controverso ano de 2013.

O que aconteceu naquele ano ainda está longe de ser bem explicado e tem reflexos até os dias de hoje. As gigantescas manifestações sem direção certa proporcionaram o ressurgimento político da extrema-direita, que soube botar dinheiro e capitanear um setor dos insatisfeitos - obviamente com ajuda da mídia, cujo papel anti-esquerda já conhecemos bem. Mas 2013 também fez surgir uma vanguarda de esquerda muito apaixonada, muito feminista, muito igualitária, muito negra, muito gay, que lutou muito nos anos que se seguiram. Eram jovens de universidades, secundaristas, artistas, trabalhadores jovens da classe média e da periferia também.

Pra mim, 2013 ainda reverbera porque lançou as bases para a forte polarização política dos últimos anos (que com certeza estava latente antes). Hoje, um desses “polos” luta pelo direito de existir, o outro está no poder e de armas na mão.

Então, Cecília Lobo pra mim é parte desse tempo enevoado, mas cheio de energia e vontade de mudar. Em BH as lutas duraram muito tempo, houve a ocupação da Câmara Municipal, as lutas por redução no preço das passagens de ônibus, o movimento Tarifa Zero etc. Vira e mexe eu via Cecília nos atos de rua, reuniões, assembleias. Ela era bem mais jovem do que eu e mais ligada ao anarquismo. Eu, uma jovem mãe achando que podia abraçar o mundo, levando muitas vezes o filho a tira-colo.

Lendo “Labiríntica”, desvendo essa mulher que conheci nas ruas, anárquica, rebelde, saudosa de ocupar de novo a cidade com seu riso e sua fúria. Obviamente, minha leitura é enviesada por essas memórias do passado. Não que isso seja problema. Afinal, a poesia só funciona quando entregamos uma parte da nossa bagagem a ela. Desse encontro sai a experiência de ler um poema.

Quem se interessar em adquirir “Labiríntica” pode falar direto com a autora no instagram (o preço é bem acessível e o envio é pelo correio). Meu exemplar chegou como adoro: com a dedicatória que, no caso, ela mesmo se ofereceu para fazer. Melhor que isso, só se fosse uma dedicatória escrita na mesa de um buteco.

https://www.instagram.com/cecilialobolima/ 



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