Pai poeta
"A solidão não é triste,
é estar sozinho consigo.
Pior que isso existe,
ser só e ter amigos."
(meu pai, Lucas, aos 14 anos)
Meu pai diz que o álcool matou suas melhores inspirações. Eu tenho minhas dúvidas porque gosto de coisas que ele escrevia "de porre", rsrs. Durante anos achávamos os escritos do meu pai pela casa, em folhas soltas, papeizinhos, revistas e livros.
Tem uma velha Antologia Poética do Vinicius de Moraes que está cheia de escritos dele nas margens dos poemas. O engraçado é que tem palavras e trechos que meu pai riscou e escreveu por cima, tendo a audácia de corrigir e aprimorar o escritor original. Então quando lia esse livro, um dos meus preferidos na adolescência, eu tinha duas versões a contemplar.
Eu e meus irmãos guardamos vários dos papéis perdidos, pedaços de pai deixados por aí. Seu lirismo, suas grandes lutas internas, ele foi dividindo com a gente durante décadas dessa forma. "Confiscar" seus escritos talvez fosse a forma que a gente tinha de guardar parte daquele homem inexplicável, que tentávamos a custo compreender.
Esse poema abaixo encontrei quando eu era adolescente. Meu pai disse que nem se lembra de ter escrito, mas eu adoro porque é bem-humorado, até infantil, mas muito forte. Pai, com sua permissão:
“Eu queria ficar à toa
Pescar na lagoa
Ser um sujeito vagabundo
Com o saco cheio do mundo
Ser uma alma boa
Tomar uma tônica na esquina
Eu queria acertar na Quina
E não ter essa sina
De ser trabalhador.
Eu queria ser Airton Senna
Voando pro Equador
Eu queria ser o Romário
Ter o mais alto salário
Ou então sentir pena de mim mesmo
E me esconder no armário.”
Em vez de papeizinhos, agora encontramos e-mails bem elaborados. Com a maturidade e sem bebidas, meu pai escreve textos maravilhosos, é um contista. E ele diz a mim, como que a si mesmo: “escreve escreve escreve”...
Que interessante! Um contista.....
ResponderExcluirSei que é um leitor compulsivo e não sabia que escrevia. Muito bom! Pertenço a uma família de contistas.